quinta-feira, 31 de julho de 2014

O Caboclo de Ébano

Era um caboclo de olhos de índio, de pele macia, da cor do ébano.
Da boca voraz escapavam gemidos, do corpo exaltado consagrava o instante profano.
E eu, em seus braços, esvanecia de tanta avidez que em mim atiçava.
Enquanto me invadia, eu estremecia e, então sucumbíamos, cedendo ao sim.
Ah, meu caboclo! Eu nem sequer pressentia que daquelas noites intermináveis, um de nós partiria, enquanto o outro se exilaria em algum lugar longínquo para aplacar a dor da ruptura.
Todas as noites eu me banhava no córrego, na tentativa de refrear minha avidez por tê-lo em minhas entranhas. Saia do riacho ofegante, de tanto que me debatia nas águas geladas do ribeiro. Corria para casa e me escondia debaixo dos cobertores e, assim, adormecia.
A saudade do meu caboclo tardava a passar, enquanto os dias aparentavam longos demais. Qualquer caboclo semelhante a ele fazia o meu corpo tremelicar. Ao perceber meu desacerto, chorava de rancor e desalento.
Após algumas luas compreendi que os meus dissabores estavam chegando à reta final. Não demoraria e, logo, a minha extinção sucederia. Eu estava, visivelmente, magra, quebrantada, de olhos fundos e expelia tudo que comia. A mamãe me olhava cheia de dó, enquanto eu  falava de modo reprovativo e quase aos gritos: 'Tô morrendo, mãe...morrendo sem o meu caboclo que partiu.' Tal a minha surpresa foi ouvir da boca da minha mãe, que aos prantos respondeu: 'Morrendo nada, filha! Você tá prenha, meu Deus! Prenha!
E foi assim que depois de muitos dias, e muitas noites, com o vestido encurtando cada vez mais, que o meu caboclinho nasceu. Chegou com choro forte, o meu moleque, demonstrando que seria um touro, tal qual era o pai.  Mamava com o mesmo anseio que o pai me amava. E eu nunca poderia imaginar que fosse possível amar alguém tanto quanto eu já amava aquele pedacinho de gente. E eu descobri que existia no mundo alguém a quem eu amava mais do que ao meu caboclo, que um dia partiu. E agora eu não necessitava mais me banhar no córrego, todas as noites. E foi lá, naquele ribeiro, que decidi batizar o meu filho. E foi lá, nas águas daquele riacho, que eu sentenciei que seria o meu funeral, numa canoa de madeira de ébano, coberta de flores do campo. E a correnteza levaria os meus restos, o barco ficaria à deriva, até que não restasse mais nada do que fui um dia.
Agora, à margem do córrego, que aplacou por tantas noites a minha sofreguidão, eu vejo a lua branca iluminando as águas e, pincelando de prata cada fio branco da minha cabeça. Por onde andará o meu caboclo? Será que ainda vive? Como resposta, meu filho, agora homem feito, se aproximou de mim, e me envolveu num terno abraço, beijou-me a fronte e pensei: 'Ele vive, sim. Vive, e se perpetuou naquele que um dia eu pari e, que me faz tão feliz.'

12 comentários:

  1. Domínio total da escrita e beleza poética em cada linha. Muito bonito, parabéns, continue, que quem escreve assim não pode deixar de escrever.

    Beijos,

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    1. Fico feliz que tenha apreciado. Suas avaliações me são importantes. Grata mais uma vez pela visita. Bjs

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  2. Boa Dia,
    Encantado pela apresentação e pelo excelente texto criativo.
    Gostei de ler, é belo sentir as palavras de uma mãe.
    Dia feliz
    AG
    http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

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  3. ... sensibilidad llena de ternura acaparan tus palabras donde la ilusión por la vida es el mejor camino a seguir.

    un fuerte abrazo SANDRA.

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  4. Sandra , fiquei encantada com seu conto romântico doce e enternecedor!
    Fiquei invadida pela beleza e pureza de um amor tão breve mas com um retorno especial que é o fruto final.
    abraços e Parabéns

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  5. Muito boa a tua narrativa, Sandra. PARABÉNS!!!
    E obrigada pela visita.

    Abraços

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  6. Toda nascente, despeja, as águas do rio, na direção do Mar.

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  7. Sandra venho agradecer a sua mensagem e a sua presença no meu cantinho. Gostei muito do seu espaço e também já estou acompanhando.
    Um beijinho
    Maria

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  8. Oi, querida Sandra !
    Que doce história de amor...
    Nossa !
    Fiquei impressionado, também, com a
    tua bela apresentação pessoal.
    Muito agradecid9 por me seguir, em
    meu modesto "coração tagarela ".
    Um carinhoso abraço, e parabéns!
    Sinval.

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  9. Um conto que apresenta amor e sensibilidade em seu desenvolvimento. E que encanta. Bjs.

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  10. Olá, Cristina!
    Agradeço a sua simpatia visita e o comentário feito no meu blog de fotografia.
    Fique bem
    AG

    http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

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  11. Oi, Sandra, que conto bem escrito, amiga! E que final lindo, parabéns, parabéns!!
    Beijo, carinho aqui do sul!!

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